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Channel: David Coimbra » Metamorfose
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A Metafomorfose - fim

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_ Me tira esse troço.

_ Hein?

_ Esse troço.

_ O um…

_ Isso. O umbigo.

_ Mas como é que a senhora vai ficar sem umbigo?

_ Pra que que serve o umbigo?

_ Bom, o umbig…

_ Pra nada. Nada! Não tem função.

_ Mas, minha senhora, a senhora…

_ Você não é cirurgião plástico?

_ Sim, eu sou, eu…

_ Consegue tirar o meu umbigo?

_ Claro que consigo.

_ Então me tira esse troço.

Estava decidida. Não ia mais se arriscar. Arrancaria o mal pela raiz. Alisaria a barriga. Extirparia não apenas a bolota que se lhe saltara, mas o umbigo inteiro, num zaz.

E assim o fez.

Zaz.

Saiu da mesa de operações sem o umbigo.

Passadas algumas semanas, resolveu estrear o ventre novo na praia. Meteu-se em um biquíni mínimo. Pelo espelho grande do quarto, avaliou a nova aparência. As pernas compridas, que sempre foram seu trunfo, continuavam compridas, macias e firmes. Se há uma coisa que, em geral, se mantém na mulher, são as pernas, e as dela eram pernas de propaganda de creme de depilação, ah eram. Belas pernas.

A bunda ainda não cedera à força da gravidade, resultado de minutos sem fim de exercícios diários para os glúteos na academia. Verdade que aqui e ali surgiam dobras indesejáveis, mas, enfim, o que fazer? Mesmo as meninas mais tenras agora apresentavam celulite e algumas até, o horror!, estrias. Muito ketchup, só podia ser.

Os seios também resistiam com bravura, dois valentes soldados postados de vigília em frente ao forte. Ela já havia decidido que, quando desabassem, colocaria silicone sem o menor dó. Teria seios redondos e empinados, os homens a olhariam e a chamariam de vaca de divinas tetas. Mas ainda não chegara a hora. Os seios continuavam em estado satisfatório, embora tivessem uma coisinha de que ela não gostava: um olhava para um lado, outro para o outro. Isso a irritava. Mas, quando colocasse silicone, corrigiria esse defeito também.

Finalmente, ela examinou a barriga.

Lisa.

Perfeita.

Sem umbigo.

Sorriu. Amarrou uma canga à cintura.

E marchou em direção ao mar marulhante.

Não demorou a acontecer. Mal pisou na areia, reparou que os homens a observavam com gula. Mas não foram eles, foi uma mulher quem notou. Uma magricela de cabelo vermelho. Ela viu quando a mulher apontou diretamente para onde devia existir umbigo em sua barriga, num gesto que tentava ser discreto. Logo, a turma da mulher de cabelo vermelho enviava olhares para a sua barriga. Em alguns minutos, todo um naco da praia passava diante dela e esticava o olhar para seu ex-umbigo. Houve uma mudança no ambiente, ela sentiu que havia uma agitação, um murmurinho, uma excitação inusual provocada… pelo seu umbigo. Ou pela falta dele.

Suportou aquilo por alguns minutos, tentou não se abalar. Mas no momento em que as crianças se acercaram dela, no momento em que riram e a chamaram de A Mulher Sem Umbigo, então ela passou a se achar uma anomalia, um ser de outro planeta, uma pária. Levantou-se da toalha, protegeu o corpo com a canga e foi-se embora, ouvindo, ao longe, as gargalhadas do povo cruel, que repetia “sem umbigo, sem umbigo, sem umbigo…”

É assim que é. As pessoas não aceitam o diferente. Não aceitam o novo. Ela nunca mais foi à praia. Ela rejeita todos os homens. Como poderia se despir diante de um, se sabia que ele iria rir, ou, pior, falhar nas lides do amor devido à sua… deformidade?

Ela se enclausurou. Ela se tornou amarga. Ela passa os dias a sofrer. Porque, ao contrário de todas as pessoas da Humanidade em todos os tempos, bilhões e bilhões de seres humanos em milhões e milhões de anos, ela é uma mulher sem umbigo. A única e triste mulher sem umbigo.



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